sábado, 21 de janeiro de 2012

Retalhos

Ela tanto sonhou, às breves, com uma nova ida. 

- Eu ia naquele outro supermercado, mas a promoção desse aqui era muito melhor, precisava garantir a carne.
- Pois eu tive a mesma idéia. O peso até vale a pena.

Ela se concentrava na conversa - espécie de novo mundo. E ali, em sua nova habitação, da qual desconhecia os aspectos exteriores, já experimentava as costas no tecido velho da bolsinha - e não era tão confortável quanto imaginava, porém, seu abrigo anterior era muito menos aconchegante: era frio, pequeno e, a todo momento, durante o dia, ela enxergava o mesmo rosto, que abria e fechava a gaveta.

A moeda viera do supermercado.

(O nascimento de uma moeda é um sistema cego. Desconhece-se. É necessário o olhar do alheio para identificar o próprio valor.)

Na bolsinha de pano vermelho brotado de crochê - em formato de passarinhos roxos, azuis e amarelos de asas abertas - as moedas, para aquecer seus corpinhos de metais, conversavam. Uma, de valor de R$ 0,50, viera do Rio de Janeiro - já até conhecera o Arpoador. Testemunhou breve momento de história de amor, quando ela desejou claramente com os olhos. Outra moeda, de também R$ 0,50, comentou como fora bem tratada por um bêbado em dia de sol. E outra, a menor das moedas, de R$ 0,05, narrou sua experiência dolorosa, onde esteve amassada, por dias, por um livro de muitas páginas. E ali, amassada, pela contra-capa, ela até se recordava de algumas palavras do romance: tratava-se das peripécias que ocorrem quando se decide viver em um telhado no Iêmen.
Mas ainda havia as histórias da vista do mundo e, às vezes, o ar de fora! 
A partir da bolsinha, na sinfonia do abrir e fechar do zíper vermelho, as moedinhas sempre encaravam novos rostos que as usurpavam para uma nova ida: a despedida da moeda é sempre a palavra e o número, o preço. E lá se iam ... E as moedas não têm morte. 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Fotografia XV

Parece um impossível do mundo
(Que se abate, vezes, nos estandos)
Exatamente onde você se encontra.
Na invenção lenta
da abertura de outras necessárias trilhas.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O Velho Gigante

Um velhinho gigante se aproxima do chão.
Não é mais cego,
Não é mais surdo.
É velho.

Um velho gigante
que não assusta as crianças.
Porque seus olhos são escuros.
Preenchidos - pensam elas -
das todas distâncias,
ainda que apertadas. No gigante.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Fotografia XIV (De alguma praia de Los Angeles) - Prosa do mar

A dicção da praia
É além da beira-mar
Seja som do visto do mundo
- as histórias iguais refletidas -
Em distâncias quase inaugurais.