segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Ela

Para Nívia Flores

Não bastava recitar de onde caminhava. Sua expressão seria daqui ou de lá: seu interior não se afastava de dentro e o que havia dela nunca esteve expresso nas condições convencionais. Mas ela não era parlamentar a omitir intenções, só estava sentada, fazia semanas, no Parque Trianon, regendo à distância as missas da cidade, tentando imacular-se.
Porém, não encontrava reza que celebrasse seu digno estado de pessoa à espera da salvação. As palavras das preces eram coros de fevor, eram coros do saber e ela queria ser salva como a cega que pinta o cabelo sem conhecer as cores.
Assim, nessa paralisia, ressoavam há semanas as palavras de amor e zelo, cada uma delas palpitando sem destino, repletas de pensamentos completos e ela não queria nada disso! Queria imacular-se em jardim surpreendente, onde sequer houvesse chão, onde brotasse de outras direções. Outra forma de se fazer boa e exemplar.
Decidiu, já sem a ajuda de Deus, repetir-se em existências - e uma delas permanecia ali, no parque.
Repetir-se "gente,
gente,
gente,
gente"
até não refletir, até não precisar de espelho ou pensamento.  

sábado, 29 de outubro de 2011

Meninos

E eles brincavam
mais ratos e bonitos
enquanto eram o que não sabiam ser.
E não se distinguia se era noite ou cena,
porque parecia uma chuva interior e desmaio.
E não podíamos esquecer o vão, o estreito e,
muito menos,
as pausas.

Fase III - Em uma noite de outubro (bem poderia ser de setembro ou novembro)

Hipotético.
Encontrou-o hipoteticamente sentado: corpo meio duvidando à pergunta, consciente do pré-acontecimento, mas não do continente daquela noite.
Contemplou-o com a mentira dos braços abertos, corrompendo a já previsível refrescância da pele vista. Feita assim contagem, ela era espera da sensação, que não excede em sobras, nem em dias de câimbras.
Nele, procurava os sintagmas seus, fugitivos que só sabiam ganhar significado na entoação daquela existência.
Até investigarem-se os olhos!
E os olhos não diziam nada. Estava tudo por dentro. Ele quase crente, ela quase nascendo.
Ele ainda talvez respondendo ¿De dónde son los cantantes?
Eles vêm dela.
Agora ela é e ele tem fê.



sábado, 22 de outubro de 2011

São Paulo - Fotografia XIII - FASE II - Contemplação do contemplado

A rua Riachuelo
é inspirada em um riacho
ou no nome de alguém?
Se foi em riacho,
imaginem por que seco.
Se foi em alguém,
imaginem por que morto.

Desmaiando-se de costas na Riachuelo
ainda é possível ver o céu
e alguns pássaros de primavera.

Na rua riachuelo,
seja o que for,
não o é por muito tempo.
Como a batalha que lhe originou o nome
imaginem por que finda.

FASE I - Reflexão sobre pré-acontecimentos, acontecimentos dadivosos e transbordamento

Que o meu corpo caia tal como gravidade, cheio de adjetivo.

- Sim, solenemente, eu transbordaria.

Se existisse algo como uma Via Irene que nos levasse ao céu ou aonde se quer se levar. Se houvesse um despautério que sempre nos guiasse adiante ...

Não compreendo dádivas.
Diante de mim, os presságios dos objetos envoltos ao meu corpo são irreconhecíveis e ainda recolho, quase como uma gravata comum, as maneiras de chegada e partida dos pré-acontecimentos. Não reconheço o especial de frente, nu ou coberto. Posteriormente, apenas, o identifico.

Entretanto, ironicamente entre tantos equívocos dilacerantes quase sem respiração, de caducos - desmembrei minha existência maresia calendário setembro Coliseu.

(E preenchida de desmembramentos e já reconhecendo a única conclusão universal cabível a todos os nossos corpos, ao mundo e cada uma de nossas experiências, afirmava internamente:)

Sim, eu, solenemente, transbordaria feito suor que foge à pele, livre, não me cabendo mais em minha construção.

domingo, 16 de outubro de 2011

Parnaíba (PI) - Fotografia XII

Nas quase noites fotográficas de Parnaíba
disfarçando o tropeço.
Eu sei.

Enquanto é sol de cinco cores em Parnaíba,
o que se foi o mundo?

Duas florestas de silêncio
despetalando nossas quedas?

São Paulo - Fotografia XI

Pinga,
Pinga,
Pinga
como se fosse remédio.
Em alguma folha, a chuva adormece.

domingo, 9 de outubro de 2011

Ele desconhecia seu equinócio

Durante o jantar, sem outra forma de conceber a saciedade, ele curiosiou na existência dela. Cheio de aforismos, não hesitou em colecionar palavras! Desenhava-as mentalmente no corpo dela.
Ali, no entorno da cintura - onde um tanto torta, em posição de quem busca o que já foi, o vento atravessa em calmaria -pintaria idioma. Nos pés contemplaria cada letra: a l e n t o. Se somente os pés dela o quisessem, bastariam eles, para caminhar até aquela sala de jantar e, simplesmente, não haveria outra saída.
Esboçaria presságio nos seios.  Afogamento nas costas, em todo o comprimento, que nunca pôde sentir quente nem em dias de vestido ou em ondas de praia.
Nas pernas distribuiria muitos jardins, reproduziria diversas vezes jardins, minusculamente, de caneta vermelha. Borraria os olhos de constantes. E nos quadris seria primavera e mais um borrado de cores, as favoritas de novembro.

E em um certo mês de outono, eles primaverão juntos.
Ele desconhecia seu traço de equinócio, contudo, ela já o investigara muito bem e ousadamente pintava o corpo dele todo de 12 horas.  


Conflito privado

Foi caso diurno
com um tanto de escuridão.
Uma formiga,
das que contrabandeiam açúcar
e que de tantas pernas longas
encena um balé inteiro
de versões,
deslizava
v
   e
        r
           t
        i
    c
  a
 l
m
e
n
t
e
no banheiro.

Sem nenhum pudor,
foi arremessada no chão molhado.
Agora a descriatura era
vômito do próprio corpo:
pressuposto de qualquer sadismo.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Rima do meu desejo

Se a paisagem que vejo

É a mesma que você também avista,

Por que ela não brota de mim

A qualquer hora do dia?

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Eclipse de qualquer ano

Era de conhecimento de todos o programado eclipse de 1989.
(Como se não fosse ainda mais irônico prever o universo)

Para ele, Leonardo, de 7 anos, era tão difícil acordar cedo, levantar e encostar meias e pés no chão e cortar o sonho em alguma imagem que não se completaria com mais nenhuma. Entretanto, agora, já quase meio-dia, esperava ansiosamente pela mãe. Ele sabia: era hora do almoço e mais: fim da aula.
O almoço era sempre uma espécie de até mais ver: ele, seguindo os passos da rotina, sentava-se à mesa, no cômodo pintado de amarelo.

(Com a comida posta no prato a mãe o deixou com a avó.
Era dia do eclipse solar e a mãe o abandonara.)

Leonardo ainda não sabia, mas sua concepção de eclipse seria desfeita feito o Japão e ano-que-vem que imaginara. Seu ano-que-vem era um morro recoberto de avenida ... o ano-que-vem era sempre o outro lado.

Já em 1989 para contemplar o sol desvanecer diante da lua, não usavam-se diretamente os olhos. Ainda em 1989, usavam-se filmes de até 36 poses para retirar fotografias. Era a forma de sobreviver a tal ritual unânime: a descoberta da outra cor do sol. Então, na varanda da casa, às três da tarde, todos os dois – menino e avó – tinham em mãos os negativos de fotografias para observar, sem perigos, o eclipse. Pessoas e imagens pareciam ferrugens próximas ao sol.

No momento marcado pela ciência iniciou-se o eclipse. Leonardo se deitou no chão marrom gelado, recoberto de retângulos, da varanda. Do chão via o sol e a lua e diante dele pequenos rostos. O céu escureceu em pleno dia e depois foi molhado por alguma sensação nova. Talvez por uma chuva fictícia dos dias mais intermitentes que os anos bissextos.

sábado, 1 de outubro de 2011

Degradé

Devagar o peixinho no aquário


Ia reto em sua procissão submarina.

Iludindo a vida de subágua

sob o teto do consultório cor de salmão.

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.
.

Devagarinho surgiam as nuances de azul.