sábado, 31 de dezembro de 2011

Haja

Que as sequências
apareçam,
se distinguam. Noturnamente
quaisquer.
Qual queres:

leve a polca sempre à frente.


sábado, 24 de dezembro de 2011

De composição

Marítimos.
Assim,
Realejo.
Ainda que calmos,
Ainda que calados.
Pois mar.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Decoração da Terra

Não seja preciso ir a lugar algum. O pricopó já está aqui dentro - quando apenas acordei em um dia de gente de Deus: houvesse uma neblina de reflexos comemorando a terra e o firmamento.
Cabia tudo levemente em mim.
Porém, nisso, a imperfeição estava em, às vezes, desejar diversos quereres concomitantes - nos é inerente o querer plural - mas nosso corpo se apetece sempre por um único querer, creia-se, coagulando-se olhos em um único porvir - creia-se.

O processo da definição da vontade era o corpo naquela precipitação prévia de doença, embutindo todos os destinos no qual poderia se coagular - tornar estátua o que principiava morte. Era essa a escolha do corpo. Por isso não era necessário contonar o mundo, todo o sangue estava em mim.

Estava no meu sangue. inclusive, as imagináveis felicidades que não conseguiria reproduzir.

E no dia de Deus, em que meu corpo me bastava como abrigo e continuação do mundo, após uma breve cãimbra sonora, meu corpo se levantou e foi à casa e observou e do alto, da varanda, todos os coágulos que firmam a Terra.

A Terra é coberta de vontades.

Verão do alto

Hoje a cidade é um calabouço raso
cheio de indistinas pessoalidades.
Pois o verão chegou
e a cidade despencou dentro das
horas quentes.

domingo, 4 de dezembro de 2011

O homem que conheceu uma parte do mundo

Existem maneiras indecoráveis e sem reflexo.

Nele perpetuava-se um certo medo de perder os movimentos - também há de se contemplar o pavor da chuva que descai pelo mundo. para sempre - prudente seria, certas vezes, desentir e contagiar-se de todas as possibilidades do corpo, mas aqui não há prudências.

No acometimento do qualquer dia, para manter-se diversas vezes paralisado, de centenas de outras maneiras, ele passou a ser incapaz de reproduzir um mesmo sentimento. Os problemas desse propenso ineditismo eram inúmeros. Ele já sabia como amar pai e mãe - porque só havia um - mas não descobria como sentir toda a gente que restava no mundo e como amar um brinquedo novo de um jeito diferente do antigo.  Sequer era possível agrupar pessoas na memória, pois, definitivamente, nada existia que as assemelhasse.

Clandestinamente, a vida apresentava outras saídas.

Ele estava sentindo, então, cada vez mais de maneiras racionais: amou a primeira mulher com toda a realidade, e ainda  a primeira mulher com agradecimento, e depois a primeira mulher com amor, e seguidamente a primeira mulher como quadro, e posteriormente a primeira mulher como brinde e assim a primeira mulher como janela - foi de junções a comparações, assim era o seu amor. Da mesma forma sentiu os livros, as floriculturas, os perfumes, as calçadas, os telefones, as divindades ...

Chegou, enfim, o momento em que não pôde mais perceber-se de forma reprisada. Integrava-se ao mundo do eterno paralisamento, onde o sentir suprime o corpo: era necessário interromper-se e enlouquecer definitivamente.


Homem descoberto

Às 5 da tarde
e ele ainda era poético.
Calçou-se além dos outros homens.
Cheio de voz,
cheio de de repentes,
Repleto de esconderijo.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Correção de Viagem

Em Amsterdam não se deve deixar recado
e nem fazer passeios duradouros de dia inteiro.

Não se deve conhecer o chão e as paredes
nem os passos frescos de quem olha.

Aconselho àqueles
- os aqueles que quiserem - que se sentirem confortados -
- em Amsterdam - onde somente acontece -
que magiquem a previsão do tempo
e criem sua própria temperatura.

AQUI MOLDA

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Dos Prédios




Outros são bonitos. Os prédios
decerto são quase caligrafias.

Os homens que constroem os edifícios
e eles não têm medo:
do corpo,
do silêncio sem expediente,
de avistar o sol se pôr
à altura em que ele não é mais de ninguém.

Os prédios sempre presos,
Sempre olhando sempre a mesma imagem.

Foto: Sebastião Salgado

domingo, 6 de novembro de 2011

Saudade pela manhã

Desmuiçada estava a manhã em miúdas dores.
Eu me disfarçando
de incolor:
Invisível nas fotografias,
nas posições misturadas.
Em qualquer objeto
me recostava,
cantava algo de mim, quase fechava os olhos.
Parece que a noite nunca passa.


 

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Ela

Para Nívia Flores

Não bastava recitar de onde caminhava. Sua expressão seria daqui ou de lá: seu interior não se afastava de dentro e o que havia dela nunca esteve expresso nas condições convencionais. Mas ela não era parlamentar a omitir intenções, só estava sentada, fazia semanas, no Parque Trianon, regendo à distância as missas da cidade, tentando imacular-se.
Porém, não encontrava reza que celebrasse seu digno estado de pessoa à espera da salvação. As palavras das preces eram coros de fevor, eram coros do saber e ela queria ser salva como a cega que pinta o cabelo sem conhecer as cores.
Assim, nessa paralisia, ressoavam há semanas as palavras de amor e zelo, cada uma delas palpitando sem destino, repletas de pensamentos completos e ela não queria nada disso! Queria imacular-se em jardim surpreendente, onde sequer houvesse chão, onde brotasse de outras direções. Outra forma de se fazer boa e exemplar.
Decidiu, já sem a ajuda de Deus, repetir-se em existências - e uma delas permanecia ali, no parque.
Repetir-se "gente,
gente,
gente,
gente"
até não refletir, até não precisar de espelho ou pensamento.  

sábado, 29 de outubro de 2011

Meninos

E eles brincavam
mais ratos e bonitos
enquanto eram o que não sabiam ser.
E não se distinguia se era noite ou cena,
porque parecia uma chuva interior e desmaio.
E não podíamos esquecer o vão, o estreito e,
muito menos,
as pausas.

Fase III - Em uma noite de outubro (bem poderia ser de setembro ou novembro)

Hipotético.
Encontrou-o hipoteticamente sentado: corpo meio duvidando à pergunta, consciente do pré-acontecimento, mas não do continente daquela noite.
Contemplou-o com a mentira dos braços abertos, corrompendo a já previsível refrescância da pele vista. Feita assim contagem, ela era espera da sensação, que não excede em sobras, nem em dias de câimbras.
Nele, procurava os sintagmas seus, fugitivos que só sabiam ganhar significado na entoação daquela existência.
Até investigarem-se os olhos!
E os olhos não diziam nada. Estava tudo por dentro. Ele quase crente, ela quase nascendo.
Ele ainda talvez respondendo ¿De dónde son los cantantes?
Eles vêm dela.
Agora ela é e ele tem fê.



sábado, 22 de outubro de 2011

São Paulo - Fotografia XIII - FASE II - Contemplação do contemplado

A rua Riachuelo
é inspirada em um riacho
ou no nome de alguém?
Se foi em riacho,
imaginem por que seco.
Se foi em alguém,
imaginem por que morto.

Desmaiando-se de costas na Riachuelo
ainda é possível ver o céu
e alguns pássaros de primavera.

Na rua riachuelo,
seja o que for,
não o é por muito tempo.
Como a batalha que lhe originou o nome
imaginem por que finda.

FASE I - Reflexão sobre pré-acontecimentos, acontecimentos dadivosos e transbordamento

Que o meu corpo caia tal como gravidade, cheio de adjetivo.

- Sim, solenemente, eu transbordaria.

Se existisse algo como uma Via Irene que nos levasse ao céu ou aonde se quer se levar. Se houvesse um despautério que sempre nos guiasse adiante ...

Não compreendo dádivas.
Diante de mim, os presságios dos objetos envoltos ao meu corpo são irreconhecíveis e ainda recolho, quase como uma gravata comum, as maneiras de chegada e partida dos pré-acontecimentos. Não reconheço o especial de frente, nu ou coberto. Posteriormente, apenas, o identifico.

Entretanto, ironicamente entre tantos equívocos dilacerantes quase sem respiração, de caducos - desmembrei minha existência maresia calendário setembro Coliseu.

(E preenchida de desmembramentos e já reconhecendo a única conclusão universal cabível a todos os nossos corpos, ao mundo e cada uma de nossas experiências, afirmava internamente:)

Sim, eu, solenemente, transbordaria feito suor que foge à pele, livre, não me cabendo mais em minha construção.

domingo, 16 de outubro de 2011

Parnaíba (PI) - Fotografia XII

Nas quase noites fotográficas de Parnaíba
disfarçando o tropeço.
Eu sei.

Enquanto é sol de cinco cores em Parnaíba,
o que se foi o mundo?

Duas florestas de silêncio
despetalando nossas quedas?

São Paulo - Fotografia XI

Pinga,
Pinga,
Pinga
como se fosse remédio.
Em alguma folha, a chuva adormece.

domingo, 9 de outubro de 2011

Ele desconhecia seu equinócio

Durante o jantar, sem outra forma de conceber a saciedade, ele curiosiou na existência dela. Cheio de aforismos, não hesitou em colecionar palavras! Desenhava-as mentalmente no corpo dela.
Ali, no entorno da cintura - onde um tanto torta, em posição de quem busca o que já foi, o vento atravessa em calmaria -pintaria idioma. Nos pés contemplaria cada letra: a l e n t o. Se somente os pés dela o quisessem, bastariam eles, para caminhar até aquela sala de jantar e, simplesmente, não haveria outra saída.
Esboçaria presságio nos seios.  Afogamento nas costas, em todo o comprimento, que nunca pôde sentir quente nem em dias de vestido ou em ondas de praia.
Nas pernas distribuiria muitos jardins, reproduziria diversas vezes jardins, minusculamente, de caneta vermelha. Borraria os olhos de constantes. E nos quadris seria primavera e mais um borrado de cores, as favoritas de novembro.

E em um certo mês de outono, eles primaverão juntos.
Ele desconhecia seu traço de equinócio, contudo, ela já o investigara muito bem e ousadamente pintava o corpo dele todo de 12 horas.  


Conflito privado

Foi caso diurno
com um tanto de escuridão.
Uma formiga,
das que contrabandeiam açúcar
e que de tantas pernas longas
encena um balé inteiro
de versões,
deslizava
v
   e
        r
           t
        i
    c
  a
 l
m
e
n
t
e
no banheiro.

Sem nenhum pudor,
foi arremessada no chão molhado.
Agora a descriatura era
vômito do próprio corpo:
pressuposto de qualquer sadismo.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Rima do meu desejo

Se a paisagem que vejo

É a mesma que você também avista,

Por que ela não brota de mim

A qualquer hora do dia?

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Eclipse de qualquer ano

Era de conhecimento de todos o programado eclipse de 1989.
(Como se não fosse ainda mais irônico prever o universo)

Para ele, Leonardo, de 7 anos, era tão difícil acordar cedo, levantar e encostar meias e pés no chão e cortar o sonho em alguma imagem que não se completaria com mais nenhuma. Entretanto, agora, já quase meio-dia, esperava ansiosamente pela mãe. Ele sabia: era hora do almoço e mais: fim da aula.
O almoço era sempre uma espécie de até mais ver: ele, seguindo os passos da rotina, sentava-se à mesa, no cômodo pintado de amarelo.

(Com a comida posta no prato a mãe o deixou com a avó.
Era dia do eclipse solar e a mãe o abandonara.)

Leonardo ainda não sabia, mas sua concepção de eclipse seria desfeita feito o Japão e ano-que-vem que imaginara. Seu ano-que-vem era um morro recoberto de avenida ... o ano-que-vem era sempre o outro lado.

Já em 1989 para contemplar o sol desvanecer diante da lua, não usavam-se diretamente os olhos. Ainda em 1989, usavam-se filmes de até 36 poses para retirar fotografias. Era a forma de sobreviver a tal ritual unânime: a descoberta da outra cor do sol. Então, na varanda da casa, às três da tarde, todos os dois – menino e avó – tinham em mãos os negativos de fotografias para observar, sem perigos, o eclipse. Pessoas e imagens pareciam ferrugens próximas ao sol.

No momento marcado pela ciência iniciou-se o eclipse. Leonardo se deitou no chão marrom gelado, recoberto de retângulos, da varanda. Do chão via o sol e a lua e diante dele pequenos rostos. O céu escureceu em pleno dia e depois foi molhado por alguma sensação nova. Talvez por uma chuva fictícia dos dias mais intermitentes que os anos bissextos.

sábado, 1 de outubro de 2011

Degradé

Devagar o peixinho no aquário


Ia reto em sua procissão submarina.

Iludindo a vida de subágua

sob o teto do consultório cor de salmão.

.
.
.

Devagarinho surgiam as nuances de azul.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

domingo, 25 de setembro de 2011

Festando

(Mani)
         Festando
                       ilusões
                                 nada raras
         Festando.

Construção Inédita de Niemeyer.

Quase nunca avisto os traços de Niemeyer nesta cidade. Os vestígios parecem interrompidos.
Eu também finjo que não o vejo. Finjo que não o vejo, fingindo esta ser minha mais real vontade. Ali, ele está sempre ali, atrás do meu balcão imaginário - no meu fingimento - da forma que sempre finjo não o ver: quase nu nos olhos. Lá está ele, criando outros pedaços de efeitos do mundo, em vez de criar ócios acumulativos comigo: ócios criados, ócios ativos.

É sempre dia quando finjo não o ver.
É sempre escuro quando se afasta.
Parece um pesadelo leve. Sem cortinas esvoaçantes e nuvens baixas. Sonho de onde simplesmente se acorda com um gosto novo no corpo.

Aqui do alto, ainda fingindo que não o vejo, o desperto mentalmente e ele me entende.

Eu sou fingimento visto por aquele prédio da República.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Canta a praia

Canta praia
Exatamente de onde me afugento.

Árvore

Casa

Hoje é verão:
Sal assoviando leve.

Canta a praia
Até 31 de dezembro, meu bem.
Ainda faz tempo
de distrairmos
nossas promesas com alguma vida que ainda não veio.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Passeio

Um tanto torto.
Um santo tanto.
E três cachorros.


Ainda certo disléxico.
Anda mais ou menos.
Mais ou menos certo ainda. O tanto louco
leva consigo;
O pouco são
também: inclina.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Quase setembro prosaico

É evidente que em setembro


Saiba lá Deus por que

A primavera permanece.


E ainda sabe lá Deus por que

Jardineiros trabalham com ferro

E festejam o ano novo.

Feito nossos setembros: nunca encontráveis juntos,

Mas, talvez, um tanto imaginativos singulares

Como os anos que chegam

Próximos dos Equinócios na praia.

Mas Seja lá o que for em Setembro é muito.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Meia voz rouca

Faz dias que ele não acorda bem - mesmo que haja sol – fica meio sentado à janela, esperando que algo aconteça: desfazendo-se do homem de ontem. Fred nunca permanece por muito tempo alguma coisa, porque o dia vem. Na noite anterior, por exemplo, com muito esforço, fora homem jovem, impassível e condenado. Mas logo pela manhã, ele foi perdendo corpo: detectando, gota em gota, partes dos anos, das poses, do toque, da tempestade.
Ele até já havia sido só dois. Contudo, momentaneamente, ele era um rapaz sentado à janela, esperando que algo acontecesse. Mas o acontecer é sempre externo. O acontecido em nós parece não se manifestar em nada evidente. Nem naquela dança flamenca ousada ou na noite em Zaragoza.
Porém, da vez em que esteve em longe, no outro lado do oceano, ele perdeu a chance de confessar: “Londres não é distinta de você.”

domingo, 7 de agosto de 2011

A oração da vontade

Eu conheço sobre uma mulher húngara. Ela mudou-se recentemente para um antigo edifício da Avenida Brigadeiro Luis Antônio, no centro da cidade. A europeia oriental pronuncia e entende bem o inglês, o português, além do húngaro: língua um tanto desmistificada por causa dessas tão obscuras coisas. Não teve filhos. Noivou por duas vezes e ela mesma desmanchou os dois laços. Assim, a maior companhia da estrangeira foi sua falecida mãe húngara. Com ela, preparava deliciosas receitas tradicionais daquele país amarelo.
E ambas - quando ainda unidas na vida, na meia solidão de algum apartamento de extensas janelas - gostavam de cozinhar doces. Mas o desejo pelas sobremesas era fatídico, causava angústia e discussões interiores, já que as duas mulheres dividiam além da origem, e também pela origem, a diabetes e não podiam esbanjar a existência. Contudo, nas tardes dos dias ímpares - afinal, em mês de 31 dias elas ganhavam uma tarde a mais - quando se reuniam para desfrutar de um curto pedaço de bolo e uma xícara de café amargo, sentadas uma frente à outra, quando já sentiam ainda mais vontade de comer, a mãe perguntava, não se contendo de imaginação:
- Qual é a sua vontade do bolo? Se pudesse comer mais, quanto comeria?
Na realidade, quase gritando, a mãe gostaria de dizer: Quanto comeria se não morresse?
Diante da questão tão conhecida, a filha, como sempre, abaixava o olhar até o bolo e elas ficavam por ali mais algum tempo, sem saber o que fazer com tanta vontade, em silêncio.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Resquício

Eu apenas posso
memorá-lo,
lembrá-lo,
cordá-lo
e ainda
rememorá-lo,
relembrá-lo
recordá-lo
com só um tiquinho de ação
em algum varal que amanhece.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Intervalo

No mundo em que existem até remédios para as unhas crescerem há também um amor que quase se esquece ou se esconde.
Ele morreu.
Perguntavam-se por soluções que não existem. Ninguém questionava sobre seu último pensamento.
Contudo alguém, especialmente ela, uma antiga amiga, encontrou aquele amor. Estava escondido, não de propósito, mas foi sendo apertado até encontrar lugar atrás do fígado, talvez. Enquanto sua função real era ser mesa repleta de doces, chamando a atenção de qualquer imaginação.
Agora os doces, como já sem validade, irrigavam todo o corpo dela com um sabor irreconhecível. Aquele que sentimos uma única vez diversas vezes.
Existia, então, uma especiaria, uma culinária para cada amor?
E a amiga já não podia comer compulsivamente todas as guloseimas e se fartar de açúcar e companhia, o que havia guardado já era intocável em qualquer parte.
O último pensamento do morto foi, eu sei, como o de qualquer homem com alzheimer, esse pensamento que temos todos os dias: com a doença não se esquece só da vida, mas também da morte, vivemos em algum intervalo. Somos iguais em vida e morte.
Já a amiga, ela estava viva, e ao entrar no quarto e fechar a porta nada se modificou: continuava viva e dolorida. Não havia espaço, costume ou jardinagem. Era a vida e a morte. Nosso maior desespero. 

quarta-feira, 20 de julho de 2011

História para qualquer um (Fotografia X - talvez de Camocim - CE)

Estavam lá juntos.
- Gosto mais do ar do interior. Inclusive o de dentro.
Ela fingiu não entender para induzir novas descobertas. Porém, era contagiada pela confissão de que ele se interessava pelo o que não se vê. Justo ela, quase incolor.
- E da exatidão?
- Quase não me pertence.

Ainda não era verão. Ainda não era tarde. Ainda não era muita coisa, mas já era lugar. Viam pessoas, miudinhas, miudinhas, caminhando unânimes para o mesmo ponto. Estendendo seus corpos em embarcações quase vivas, condizentes com a eterna inauguração das águas e suas bifurcações gravadas em alguns espíritos.
Ambos sentados na areia. Ambos voltados para o exterior, tentando polinizar o mundo com a existência indeterminante das causas. E pouco desconfiavam de que o encontro deles era causa da mais pura vontade: de alguma conclusão que esbarrava entre um diálogo e uma fotografia, não se sabe. Mas, na realidade, só era importante, e eles não sabiam, que mesmo não substituindo - os pés - a realidade, que o ar substituísse a sensação de que depois dali era impossível.
Necessitava-se do vento que vem do mar!

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Um encontro de meios sujeitos.

Não foi no Jardim Botânico, mas poderia ter sido.


Ele a encontrou na plataforma da estação do metrô: ambos recobertos pela terra e por sentimentos desconfortáveis. O rapaz já reconhecia aquela sensação da falta de táticas para burlar toda a saudade dela que, de repente, crescia. Saudade de como os olhos dela prestam atenção, saudade da respiração inalada por seu peito quando se abraçavam.
Tenho certeza, ela não o ignoraria, mas sabia da demora de meses que ele leva para se completar e com o encontro, as peças que quase se fundiam, tornariam-se soltas novamente. Assumia-se, sem outra possibilidade, causadora de alguns substantivos e adjetivos indeléveis na vida do rapaz. 
Ele, imaginando as mesmas causas, aproximou-se dela antes da entrada no vagão e a conversa - da estação Paraíso à Consolação - não passou de perguntas civis, onde ele percebia a indistinção entre a loucura e a sanidade. Ambas construídas de devaneio dentro de devaneio. Não havia saída.
E assim, meio já desistente, a viu seguir outro destino, uma outra calçada, e só se indagava como ela podia ir assim caminhando, ele que já havia desaprendido a ação de qualquer coisa.  


quarta-feira, 6 de julho de 2011

Diversos

Se há céu, desejou que não existisse.


Acordou cético e havia alguma outra forma de estar? Do pagão ao judeu, do animal ao trânsito.


Daquela remota vez, sendo planta, dessas quietas, em que os ventos balançam também o tronco e galhos, imitava as certezas dos transeuntes. Todavia, se fosse planta e, ao mesmo tempo, homem seria incapaz de imitar-se.


Em seu último dia nessa condição, alguém que se manteve homem perambulava por uma calçada estreita. A planta, por sua vez, o observava do vaso de uma sacada, já estava habituada ao doméstico - nessa versão era jovem arruda. Diante de tantos pensamentos, o senhor se detinha à utilidade feroz das cordas:
Essas servem encolhidas ou esticadas, mas nunca como nascem: tortas. Assim como algumas plantas têm menos serventia vivas.


Outro que também caminhava pela estreita calçada incômoda lembrava, não sem ardor, da imagem de um antigo canavial: meio inclinado ao vento, em tarde de março, a brochar chuvosa, cheio de barulho. Era alguém de uma só imagem, constituído de uma única refeição – feito eu, que recolho na memória um único pulso reconhecível em qualquer fragmento: exemplar visão que não se afasta do objeto. E ainda assim, discretamente, o celebro – corpo e pulso inteiros.


De outro, o último, a planta só ouviu murmúrio. Esse passeava diante juízo de Deus. Corroborava sobre as noites, os diários,  os perfumes, a varanda, as avenidas, os restaurantes, as mangueiras secas, o clandestino, as rodoviárias e ainda em pensamento elegia razões para aquela ausência dolorosa, sem vergonha e sem distinção.


Olhou então a arruda e só pôde, sem mais nenhuma saída, arrancá-la, furtá-la, para sempre, da terra. Não houve tempo para conclusões: o ato já era pensamento.

domingo, 3 de julho de 2011

Um tanto...

Não adiantava desviar o olhar era nitidamente tudo aquilo: uma dorzinha visível em todos os estreitos do corpo.
Nos horários do dia, nos diversos que se repetiam iguais, sendo diferentes, minhas mãos se entrecruzavam afobadas, meus seios cresciam à procura de um confidente. Acreditava que meus questionamentos eram um tanto vãos, um tanto cabisbaixos, entretanto, não me deixava de correr a idéia de como não divinizar alguém, especialmente de madrugada, quando não mais está quente.
A tentativa de conversão em deus é muito dolorosa, menos pela idolatria e mais pela simples existência condicional de reconhecer-me menos, estupidamente inferior a alguém claramente semelhante.
Assim, minha maneira de conduzir os passos além da vontade de meus pés e de toda a outra multidão consciente - livre de ritos - é errada e proibida feito acender luz quando há sol: já está claro o que se é, não necessita de mais artifícios. Ás vezes, contudo, me defino cega e acendo luzes interiores a qualquer hora do dia, porque assumo, de alguma forma, por meio dessa loucura - outras vezes, sã - respeitosa coleção de poderes avulsos e, para muitos, desnecessários de uma existência vivenciada fervorosamente pelo gerúndio.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Vitrine

Alugou um jantar
em horário modesto
- perspicaz de nuvem -
e ofendeu-se.
Ofendeu.
Não havia gastronomia.
Havia uma vitrine.
de onde também sentiu compaixão
do sintagma afogado na jardineira,
na complexa incompreensão da cidade.
de onde também sentiu compaixão
diante do pavor
do auto-conhecimento abstrato.
de onde também sentiu compaixão
das lousas que sempre se apagam.
de onde também sentiu compaixão
do nada que permanece.
Da pura loucura:
reprodução de um mesmo sonho diversas de outras vezes.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Assim: metaforizar

Por um segundo acredita-se no impossível até duas vezes.

Agora ela já encontrava a beleza de seus próprios olhos, negros, abertos, bem abertos, quase que delineados naturalmente. Atráves desses olhos, negros e exatamente conchas de mar, a mulher não destruiu a desingularização do mundo.
Sua ânsia de ser sã, em uma realidade incondicionável, era o ângulo reto da sua alma.
Só delimitou que o peito dele era inflado por fogo, perturbador do perambular do sangue, da fraqueza, do gesto, dos cílios que se fechavam juntamente aos dela.
Feito neblina dissipando, o amor foi rascunho... diálogos inacabáveis, incabíveis, quase sem voz.
Mas assim, ainda mulher, descalça, à procura de alguém, ainda nesse domingo, que estivesse na cama, com os braços acima do pescoço, o cabelo desgrenhado, no azulado cinza das frestas da janela, com a temperatura do corpo acima dos 36 graus. Assim ela terá acertado na forma de pensar.

Cachorros

Os cachorros

Os cachorros  latem

Os cachorros latem intensamente

Por quê?

Os cachorros latem intensamente
Porque
Chafurdam de inveja
De outros cachorros:
Aqueles do, outro, lado:

Livres,

Assalariados dublês da distinção do mundo.

domingo, 29 de maio de 2011

Carlos Inevitável

Semelhante disperso
É sem vistagem no mundo.
Carlos Inevitável.

Das tentativas de auto-exílio.

Pois, nele debatiam-se inteiros:
Lajedo, trilogia, todos os conhecíveis...

Carlos Ímã
De existência fatal, irrestível.
Sua prisão era substancial:
tudo o que habita.

Sem feito fetiche/feitiço para si.

sábado, 21 de maio de 2011

Coisa não citadina

Ana destrambelhou-se no insólito congestionamento das quatro da tarde. Ela observava uma velha, toda aparecida, na garagem de sua casa. A senhorinha - de cabelos lisos, presos sem desvelo, vestida de azul e verde - varria sua calçada.
A imagem era estupefata: a senhora, rente à grade do portão, dispôs a vassoura e os braços, como objetos excomungados, para fora e varreu a calçada, cheia de movimentos truncados, por entre os vãos. Seu propósito não permeava nem metade do objetivo.
Era incrível e estarrecedor. Parecia mulher fugitiva do mundo, condenada pela própria casa, justa ao próprio corpo, escrava do processo da liberdade das leis machistas – ironia do próprio sistema – e da idade, esquecida até dos dialetos normais.
Ainda assim, foi possível reparar em seu último ato: a senhora empurrou o lixo recolhido para a calçada vizinha. O esforço, então, era de contaminar o alheio? Meio de inversão de seus hábitos domiciliares?
No cotidiano do dia seguinte, todavia, Ana não citou sujeira na garagem e no portão da velha, creu que ele dispersou-se, desde a tarde anterior, pelos destinos de outros crédulos e sãos do drama e da realidade.

domingo, 15 de maio de 2011

Ex amor

O ex-amor,
às vezes,
permite cateter e urbanismos...

Do ex-amor. O cultivo
partilha de alguma falta de consciência:
componente fetiche
das construções particulares.

A ausência do ex-amor
é recomendação não vivível, pedinte de palavras,
que vista,
se dilui
com sabor familiar.

sábado, 14 de maio de 2011

Tatuagem

Estava tatuado no interior de uma de suas coxas Travessia.
Seu sexo sinônimo.

Das descobertas

Em meio ao devaneio da cidade, uma criança, sem consciência do caminho e da importância do passo, caminhava com o pai. O fim era o ineditismo do hospital e das convenções do corpo.

Presentes no consultório, o menino esperava sua vez. As dores de cabeça eram insuportáveis, já na curta extensão de Idalício e, futuramente, maior seriam: a dor se alongaria por mais espaço. Todavia, essa já era preocupação secundária, o garoto se voltava, fazia semanas, à idéia que o atormentava: o eletroencefalograma. Ao questionar o pai, obteve a explicação de que o exame seria capaz de desenhar sua cabecinha por dentro e, assim, descobririam o porquê de tanta dor. Idalício entrou em estado de desespero, afinal, seria revelado tudo o que não se pode saber. Aos pais seriam revelados seus pecados!
Deitado na maca branca, fina e indiferente, seus seis anos não ocupavam muito espaço, ainda mais todo encolhido. A médica, talvez, de alguma forma, ausente, fixava de maneira quase simétrica os eletrodos e tudo já ficava com uma nova cor para Idalício - um verde pálido de quem talvez não enxerga. O menino, tenso, esperava pelo momento da mais alta desgraça: pior que a mão no formigueiro em dia de ano novo. Iriam descobrir da sua tentativa de fuga, suas descobertas do sexo. Mas que desespero, meu Deus! Desespero recoberto de coragem que o menino fazia de escudo, feito mocinho de 10 anos.

Durante o exame, silêncio absoluto.

Já de saída e de volta para casa, estranhamente nada se modificou: seus pais nem insinuaram de seus segredos. Mas o menino não se apaziguava, a angústia de estar preso àquele exame estranho, o atormentava. Até que os resultados chegaram e lhe foram mostrados apenas riscos que subiam e desciam e tudo lhe parecia muito estranho, seu por dentro era muito diferente, coisas que ele não sabia identificar. Aquilo o assustou mais do que se seus segredos fossem revelados, mas ainda preferiu que assim fosse. Tudo estava em paz novamente, já podia retornar à sua rotina de 10 horas.

Já de todo esforço, nada valeu: o exame não resultou em nada, nada foi detectado. Porém, Idalício se deu conta, já aos seus 6 anos, de que por dentro não se sabe tudo o que há e o que há de nós não se reflete em luzes e eletricidade.

domingo, 8 de maio de 2011

Mirar

Em meio ao escarcéu
da Mata de São Lobo,
um único menino
mirava a borboleta.


E ele a feriu
sem estilingue na mão.

Fragmento

Aquele pedaço teu
É o meu laço esquerdo
que mede passo
 - modo moço doente -
intenso de passado,
quando te arranco e rasgo.
Tu és meu
fora das horas definidas:
pedaço de março,
dobro de mim.
água que dói.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Pensamento Noturno

Esperando o sono...


Agora, talvez, outro sono, que não o meu, esteja no campo procurando aquários e outras coisas utéis.

Esperando o meu sono.
Meu sono está no quarto ao lado,
mas como resgatá-lo?
no escuro?

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Ombros à tarde

A dança entrelaça o corpo feito o sexo.
Desembaçando o vidro que se é,
em par ou solo,
até cachorro manco o é.
Enquanto no ar, estão os passageiros internacionais,
fugitivos do centro do corpo e do ralo.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Intermitência da fraca protagonista

Ela achava bonitinho o cotidiano: procurar nos folhetos ofertas para os filhos, os vestidos de menina, a comodidade do sol batendo exato no corredor, a tarde de sábado, exercícios de outra língua.
Apesar de exagerada na utilização de palavras no diminutivo, ela não se sentia menos: ela se sentia só, uma falta extrema do que fazer com a sucessão dos dias cheios de vento de quase não mais madrugada: sentida por toda coisa.
Assim admitiu vontade e castigou-se. Era o momento de aceitar que as frases lidas, a geografia, os bares, o clima, o apartamento, a comida feita se entupiam de lembranças e medo. Será não ser verdade? E o que fazer com isso, se o mundo permanece dentro?
Silenciou-se a questionar as manifestações corporais. Ela reconhecia a espécie de outro acúmulo dentro de si. É o resultado de uma curta via que já a inflama até piscar longamente os olhos. É a culpa e o exagero, talvez o desejo de condizer com o embate sem razão. Pena nunca poder ver a vista ao longe.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Aquele definitivo resquício

Tudo o que o envolvia era um antes e um depois e eu ainda nem desconfiava disso. E, por muito tempo, permaneci assim: sem saber de nada, hipnotizada não sei se pela beleza ou pela feiúra, mas em algum instante, ele se tornou definitivamente belo!
Não conseguia compreender como ele podia ser assim, naturalmente, tão especial da primeira vez, no ato de estréia. Pensava então por que eu, afinal, tinha de ser olhada uma segunda vez, deixando de ser inédita. O meu especial, por acaso, sofria de hepatite, era precário? Eu acreditava ser especial, mas ele estava anos luz de mim: da maneira de me olhar fixamente - se é que seus olhos se fixavam em mim ou no que ele imaginava que eu era – até a maneira de dizer o quanto eu estava quente, enquanto, na realidade, eu estava fria. É o que todos eles dizem. Mas, talvez, só ele percebesse o meu desejo em encontrar alguém que me dissesse que eu estava quente, pois mesmo sendo mentira: eu queria parecer outra pessoa.
Ele conhecia o mundo e, para mim, o mundo é o que existe. E a presença desse moço era tão contínua que, repentinamente, eu acreditava em Deus e em toda a construção do universo: eterno e largo como o sorriso dele. Jamais ele iria a Ibiza ou Zaragoza comigo. Mas ele foi, em mim, no que me é mais secular: me moldou lírica. Fazia anos que não era composição assim intensa, daquelas que a gente soma as notas do bolero, da vinheta da TV e do barulho da gaveta. Simplesmente era complexo aceitar que aqueles dentes largos e gengivas à mostra e aquela barba, feita no mesmo dia, se registrassem densamente na minha experiência do que eu não entendo e gosto muito. Às vezes, até penso, aliás acredito, que ele foi meu primeiro desenho, meu primeiro pôr-do-sol, traçado com dez riscos, minha primeira vontade.
E eu perguntaria, sim, eu perguntaria. Gostaria de ter instaurado um diálogo meu, que partisse de mim. Qualquer coisa que fizesse das palavras dele, minhas.
E, além disso, restava ainda o corpo: a maneira como ele não me tocava, fazia com que eu pensasse no singular de toda uma multidão de gente. E, afinal, em estado de descoberta, ele era o meu singular do mundo inteiro - a minha falta de morfema que ampliava todo e qualquer sentido - desse mundo mesmo que existe.
Bastava olhá-lo, clandestinamente, para suspeitar de que o itinerário do ônibus o continha mais do eu. E, de maneira infantil, eu desdenhava ironicamente de todos os letreiros cor de néon da grande cidade.
E de repente, ainda que eu não sentisse dor, ele foi embora: desinteresse unilateral.
Depois disso, nem sei mais. Já desgastei o olhar daquela foto, cujos caminhos desdobra e me convida subitamente à dança de não sei qual corpo, já que o meu perdi. Hoje sou completa ausência de uma lembrança e ele, mera vida que segue, contudo, ainda em mim permanece, não passa, não vai, não corre, não foge, não esquece.
Definitivamente eu sabia, ele não era hora minha. A angústia era enorme: ele nunca seria definitivamente meu. Será, no máximo, o secreto nos meus pedaços de mundo particular, meu São Francisco Imenso, que estarão em qualquer parte, aonde quer que cheguemos. Em nós, haverá espaço até para o esquecer. Já de nós, que nunca nasceu, restará a expectativa que não brindou a champagne e não cantou os parabéns: Eu sei, ele vai me render uma vida inteira! Até chegar o meu dia de loucura, porque aí eu inverto o passo!

terça-feira, 29 de março de 2011

Previsibilidade

causa amor grave
distinguir previsivelmente.
[é a certeza da falta até da tontura.]
recheada de teatro e ineditismo:
ambíguos e contraditórios, causais e inutéis
já nas palavras frações.

o amor agudo
corrompe até o estardalhaço.
ele não acredita em signo,
entendimento,
nada.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Sensação do quase

Esse céu quase nublado talvez de sol
existe abandonado.

Sendo céus e olhos, não sei,
cheios de interjeições
e de previsões e temperaturas
que não maltratam a pele.

Feito calendário
que respirava mais fundo as eternas reprises
de algumas evaporações várias.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Dança tímida do objeto

A madeira contribuía
na excursão do corpo:
A menina
escorria no pedaço de
tábua.
Em meio da calçada,
já era claro supor
a impossiblidade de ser feliz
com o doméstico.
A felicidade não se dá em casa
nem em coro, apesar de ser mais belo.
A felicidade é sempre um estando distante
que dá sono.

sábado, 19 de março de 2011

Toda Ângela e o mundo

"baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas."
(A Máquina do Mundo - Drummond)





Acordou já completa continuando gente. Hoje, ela iria conhecer o tudo por meio da satisfação. De pijama azul, ela concebia a janelinha, a focinheira e o trator. Ainda assim, decidiu que permaneceria na cama, ou seja, era o mesmo de permanecer no mundo, nunca se sai vivo dele.
Conhecia as horas e todas elas já estavam acumuladas, antecipadamente, em Ângela, que as sentia presas em suas paredes internas e sabia até de suas cores, pois, hoje, sem saber nomear, a Máquina do Mundo se abrira dentro de si. O todo já lhe causava desconforto, uma dor suspeita, e assim Ângela a desejava, aquela dor que não pediu a sei lá quem para ser completa.
Às 10:47, o telefone tocou. Ela imaginou que o destino havia preparado o descuido da manhã. Sua completude, ainda que pesasse, aceitava telefonemas?
A totalidade já a cansava.
Atendeu o telefone.
Era uma colega, que investigava seu estado de perfeição. A reação de Ângela foi de absurdo - ainda que não soubesse classificar o que sentia, permanecia em eterna situação de inchaço. A quase colega revelou que o dia de completude foi pago pela empresa em que trabalhavam, segunda ela, era uma oportunidade única, um novo metódo de treinamento. Em disfarce, Ângela pergunta quando acaba o tal dia.
- No horário do fim do expediente, às 18 horas.
Desligou o aparelho.
A mulher, ainda que completa, voltou para a cama e não atendeu mais o telefone. Soube, então, dos dotes da completude moderna e, ainda sem saber, mas prevendo inconscientemente, como pedia o bônus do dia, cochilou querendo ser Drummond em uma estrada pedregosa de Minas Gerais. 

quinta-feira, 10 de março de 2011

Construções

Eu construí todas aquelas prateleiras
Vejo-as, agora, todas iguais.
Mas confesso que forjei alguns parafusos
para saber o quanto suportavam ser elas, elas mesmas.

Seriam estruturas de desmoronar,
de cair em toda a gente.
Porém, continuam firmes
parecendo vir do fundo da terra
e não da falta de vontade de meus pêlos.
Seguem aguentando todas as cores,
desbalançando rarefeitas,
comediando falsas
as expectativas de um homem.

terça-feira, 8 de março de 2011

A lição da intriga

Eu tinha um arco-íris na cabeça,

um convidado anônimo para o jantar,

um conjunto de suspeitas

e um jogo de cartas.

Discretamente, porém, veio a intriga. De tão feroz derrubou trapezista, descoloriu o circo e só não desmistificou a mágia em cena, porque a intriga era burra para isso.

A intriga aumentou minhas suspeitas até me contemplar suspense - acho que isso foi um prêmio - mas ainda assim, a intriga acordava todos os dias pensando no que eu só refletia de vez em quando.

Eu, conscientemente, me dava conta de que sempre há dia e de que o alto é feito de escadas.

Já a intriga inaugurava todos os coadjuvantes do mundo e ela tinha toda a razão nesse empenho: um amigo me disse, em um lugar muito barulhento, que o mundo de cada um é composto por quinhentas pessoas... o restante do universo é coadjuvante, ou seja, somos cerca de 5.999.999.500 vezes figurantes no mundo e como a intriga pode se despreocupar disso? Ela andava muito desorientada, tonta e, em mais uma noite, me esqueceu para ir prestigiar outros seres humanos, me deixou só.  E ao som de samba miudinho feito desfecho santo, me desvinculei só - a intriga sentiria orgulho disso - dos 500 habitantes do meu mundo.

sábado, 5 de março de 2011

Fotografia IX - Em alguma parte da Europa Oriental

Já não era madrugada
e ele permanecia
tal oposto a assobio em dia de tempestade. dentro.
Era homem repleto da arquitetura:
corpo carregando até o tudo pertencente.
Guardava de cor alguma madrugada em alguma parte da Europa Oriental,
homem de postagens centrais,
e de olhar manco, porque nunca completo.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

De certezas

Em pé,
diante de toda aquela sexta-feira,
chovia.
E chuva intencionando ser chuva veraneia, cai em mim:
Proibida de divulgar a vida.

Contigo já disputei narrativa, cinzeiro e beija-flor,
dispondo da dolorosa sensação de que
SEMPRE HÁ DIA
que adia tudo aquilo a que chamamos de qualquer coisa.
Em seguida, já não estou de pé,
minhas pernas molhadas amoleceram.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Prateleira

Seu sossego era armazenar coentro congelado para todo o mês. Se a planta a desneblinava, então, todo o resto lhe era pacífico? Feito manter a mesma pessoa por toda a vida? Ela, se sabia, era construída de calmaria excessiva.
Em desacordo hipotético me questionava se seria domesticação a vida dela – mas assim, a domesticação imaginária se tornaria minha e isso não poderia suportar - contudo, não desistia: seria cotidiano demais, por demais suspeitas, as vontades dessa mulher? Toda cheia de predicações de vivências, de temperanças... Será comodidade minha crer ser ela assim: calendário de qualquer ano? E logo já pensava em por que julgar essa tal moça desconhecida e seu coentro ambulante congelado em alguma parte do mundo. Por qual razão desvendar as riscas de sua mão, se já sei que o coentro lhe alivia a fome? Já me espantei com frases menores e nem já sei o que me sossega. A tal moça é mais digna de sufrágios do que eu: vencida diante do coentro cheio de fragilidade. A razão de tudo era a inveja, a mulher já tinha alguma ligação com o mundo.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Estrelas de Campestre

Ele me dizia sobre as todas estrelas de Campestre e junto de uma consciência lenta ela dava conta do frescor daquele chão sujo no qual todos estavam sentados, palavreando hinos e flagrantes de suas próprias vidas extraordinárias.
Essa era a cena: despedida ou ênfase de uma sensação anterior?
Porém, já em seguida, ela se despiu de sentimento e se enxergou chão esboçado de lama. Ela era um vitrô de Campestre cheio de estrelas que não brilham aqui. Aqui, nela, é que toda a humanidade se desmancha, palpável de todos os sóis que nasceram, de todos os encontros memoráveis e ainda não foi descoberta forma de acalmar, guardar, economizar todo esse atrevimento egoísta. Sua vontade era a de ser artifício em dia de alguma felicidade e mesmo que em frente de si se suspeitava uma escada que a levava ao chão real e mesmo que já amanhecesse - enquanto que em Campestre ainda se fazia noite cadente - ela já juntava os pedaços de uma possível queda e se via todinha, inteira após o desastre. Ela já era alguém dentro de tantos outros.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Aquele verbo

" Oh, por que é que teve de nascer com essa impetuosidade, com essa paixão indomável que o prende a tudo o que o impressiona?" Goethe

O devagar é teu
na cor que preferires.
Não distingo nada no mundo
que não seja teu.

Se há memórias pelas quais
ainda não viste tudo o que impressiona,
saibas que elas guardam tudo o que não é teu,
assim te tornas singular diante de todas elas.

Conheces a fração tua de sina que persegue
aos acometidos das quaisquer sensações?
Em mim se exemplam todos de maneira secular.
Eu Infinito ficções e anônimos.
No mais que há de eu,
falecendo aqueles erros.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Destino Ativo

Existia uma menina com uma bola. Em alguma tarde, a bola tricolorida mais a menina de franja curta se encontravam cheias de entraves fugazes. Disputavam a preferência do entardecer, consumindo de sua eternidade. Porém, sutil e premeditadamente, a bola, diante de olhos vistos, se insinuou para o muro e se jogou – em time solitário – para a rua. A primeira visão do mundo, já com o corpo livre, foi a das placas do restaurante e, em seguida, a sensação do asfalto: a dor da queda sem recepção.
Ordinariamente, repleta de impressão, a bola foi brincar jogos de menino. Toda a audácia só para comprovar que os objetos também têm destino e ainda mesmo imortais se aproximam dele.



Ladeira Porto Geral - Fotografia VII

Já faz fevereiro onipotente
e sê, meu querido, como céu disposto de quarta-feira comprimindo a Porto Geral.
Desnuda a gravidade,
os paisagistas,
os anti-vírus,
as cores,
as àrvores,
os testemunhos.
Faz a gentileza também, amor, de entonar as palavras certas
imitando os cânticos das baleias e as imigrações folclóricas,
organizando o mundo em estratégias de
março
e abril
Para que eu não fique só no mundo.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Fascículo

O homem sentado em um corredor do Vietnã
relembra o Índico de cheiro ácido de água em pedra.
Ainda pousado no chão do Vietnã
Aquele homem não é cortesia,
quiçá ângulo escurecendo, refrescando as estaticidades impossíveis.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Fidedigna do Avoar

Fidedigna do constante
Avoada por louvar
Onde meus pés não tiveram chão.
Dispõe do contra-senso
E da tórrida
Imensidão de suas águas
Abençoa sua língua
E eu, sua pátria-irmã.
Carnaval sem rima,
Brisa surda,
Constelação música,
Da onda o avesso,
Castanho em mim.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Para dançar suspenso

O sol se põe de outra forma no Oriente
O dia parece saber se despedir exato.
E ontem mesmo, na beira do rio, adoeci do
anseio de proclamar todas as palavras existentes como fatos
e de, nos seus pés suspensos,
no fervor de seus pés suspensos, conhecer os diversos chãos.
Seus pés são os meus lajeiros de avistar o mundo.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Dia de feira

Era dia de feira. Nas quitandas e barracas do interior, era dia de comprar carne seca e caranguejo.
Acabou-se de saber da morte de Joana. A velha era vizinha da família da qual trata essa narrativa. Família de mãe, pai e muitos filhos, filhos que se espalhavam pelo quintal.
Joana acordou naquele sábado sem nem pensar como se sentia, porque não sentia nada e nem haveria solução se sentisse ou pensasse. O sol faz pouco nascera e ela sentou-se na cama e rezou comedidamente: agradeceu o dia e a passagem da noite. Fez seu café com leite e comeu um pedaço de bolo dormido e foi à feira: Joana vivia da pensão do marido. Era viúva também de ventre, ele morreu depois de seguidas tentativas. Era só. Na feira comprou pouco: camarão, carne seca, feijão e outros temperos, tudo em quantidade para uma semana. Chegando em casa, cansada, sentou-se na cozinha, dividiu os alimentos e escolheu o almoço: carne seca cozida e antes de comer, não se sabe como, morreu.
Aquela família descobriu a morte de Joana e sua carne e, sem argumentos à providência, milagraram. Então todos se reuniram na casa, dividindo, gratos, a carne cozida na panela de pressão. Mas uma das crianças daquela família, uma menina, Luiza, naquele mesmo dia, semelhou a obrigatoriedade com a morte, a menina comia obrigada a carne da morta. Ela sentia a morte em sua garganta. Neste instante, a fome era sua dignidade, salvação, imposição da sua vida. A fome era seu sinônimo de sobrevivência. Mas naquele dia, finalmente, tornando-se humanidade, ela nutriu a morte em si pela primeira vez.

domingo, 23 de janeiro de 2011

A grande avenida

Era janeiro cheio de sigilos: sem destino à praia ou ao oceano, a água caía inundando o mundo. Seu corpo já guardava tanta expressão que o lavou com a água gelada.
Não sei, mas acho que foi depois de escovar os dentes, ela estava sentada no sofá e eu a via do quarto. E é disso que tudo trata: da sua enxaqueca emocional. Internamente ela discutia suas relações mundanas como se fossem universais, e não, ela não poderia escapar do universo porque todos amam demais o mundo.
Na noite anterior, esteve na grande avenida - que tal como uma maquete: é previsível em todos os aspectos - não sei o que de lá trouxe, mas foi mais que o corpo e um dia: foi o absurdo. Suspeitava, então, se um instante insuficiente, um centímetro maior ou um plano ausente, retardariam as horas até essa cena.
Restava, então, só a espera da contagem regressiva, para que eu pudesse desvendar a causa daquele paralisamento citadino. Acredito ser uma saudade muito grande, perplexa da própria existência, tal como quem deseja tocar o peito enquanto esse ainda é quente.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Série catadores de lixo de Gramacho, Rj - Fotografia (?) VI



Aqui já não é mais cidade.
Aqui se está no qualquer lugar,
no existente qualquer lugar,
feito fratura fértil,
onde mesmo retos estamos tortos,
Munidos de uma invisível transparência indecente.


Foto de Vik Muniz.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Regava as flores vivas

Ela regava flores como se não pensasse em nada. A vida se apresentava à Hélia como a conhecida antecipação do inaugurável, do mesmo jeito que as imagens da TV.
Hélia suspeitava, silenciosamente, da forma inevitável como tudo é concebido: quando ela magicamente impedia uma singela transformação no mundo, na realidade, só possibilitava que o inevitável se concretizasse. Ela ouvia, então, a linearidade da existência rindo, gargalhando em baforadas na sua cara e mais forte suspeitava do quão ironicamente somos feitos. Assim, lavoura cresce ou não.
Ainda criança sofreu seu primeiro lapso, estava em frente à janela de alumínio, Hélia tinha 12 anos e se via deformada no reflexo: legítima. Hélia se via pequena, inútil e feroz.
Agora ela regava flores como se estivesse viva.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Ewbank da Câmara (MG) - Fotografia V

Sua terra era ciranda de chão,
baile de esteiras,
cantiga de boi.
Mas aqueles seus olhos, mesmo que perambulassem o mundo inteiro,
ainda se voltariam ao céu.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Pensamento

A palavra pela metade é mixaria.

Serra Talhada - Fotografia IV


De onde não tem mar

As parte do chão estão na terra

- Frutos negros -

embalsamados de cheiro de caetês.



Corpo no próprio corpo.



Sua sombra é da terra,

é terra.





Foto por Jacqueline N. de Lima

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Conquista do Oeste

Ele me sobrevive
- me sendo sem querer -
refletindo os horizontes do mundo
tal como filmes de foto,
num estilo bem hollywoodiano.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A hora e vez da mosca aventureira de Juiz de Fora - fotografia III

Mosca aventureira a ser colorida
pousadinha em uma folha do mundo.
Seu nome, Marfarida.
Mosca limpa,
incômoda dos picolés gostosos.
Com traços de dislexia
A mosca está paradinha,
asas pesadas
sendo fotografada.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Paulo Afonso - Fotografia II

Iam a caminho
Abismados com as faces do mundo.