terça-feira, 29 de março de 2011

Previsibilidade

causa amor grave
distinguir previsivelmente.
[é a certeza da falta até da tontura.]
recheada de teatro e ineditismo:
ambíguos e contraditórios, causais e inutéis
já nas palavras frações.

o amor agudo
corrompe até o estardalhaço.
ele não acredita em signo,
entendimento,
nada.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Sensação do quase

Esse céu quase nublado talvez de sol
existe abandonado.

Sendo céus e olhos, não sei,
cheios de interjeições
e de previsões e temperaturas
que não maltratam a pele.

Feito calendário
que respirava mais fundo as eternas reprises
de algumas evaporações várias.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Dança tímida do objeto

A madeira contribuía
na excursão do corpo:
A menina
escorria no pedaço de
tábua.
Em meio da calçada,
já era claro supor
a impossiblidade de ser feliz
com o doméstico.
A felicidade não se dá em casa
nem em coro, apesar de ser mais belo.
A felicidade é sempre um estando distante
que dá sono.

sábado, 19 de março de 2011

Toda Ângela e o mundo

"baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas."
(A Máquina do Mundo - Drummond)





Acordou já completa continuando gente. Hoje, ela iria conhecer o tudo por meio da satisfação. De pijama azul, ela concebia a janelinha, a focinheira e o trator. Ainda assim, decidiu que permaneceria na cama, ou seja, era o mesmo de permanecer no mundo, nunca se sai vivo dele.
Conhecia as horas e todas elas já estavam acumuladas, antecipadamente, em Ângela, que as sentia presas em suas paredes internas e sabia até de suas cores, pois, hoje, sem saber nomear, a Máquina do Mundo se abrira dentro de si. O todo já lhe causava desconforto, uma dor suspeita, e assim Ângela a desejava, aquela dor que não pediu a sei lá quem para ser completa.
Às 10:47, o telefone tocou. Ela imaginou que o destino havia preparado o descuido da manhã. Sua completude, ainda que pesasse, aceitava telefonemas?
A totalidade já a cansava.
Atendeu o telefone.
Era uma colega, que investigava seu estado de perfeição. A reação de Ângela foi de absurdo - ainda que não soubesse classificar o que sentia, permanecia em eterna situação de inchaço. A quase colega revelou que o dia de completude foi pago pela empresa em que trabalhavam, segunda ela, era uma oportunidade única, um novo metódo de treinamento. Em disfarce, Ângela pergunta quando acaba o tal dia.
- No horário do fim do expediente, às 18 horas.
Desligou o aparelho.
A mulher, ainda que completa, voltou para a cama e não atendeu mais o telefone. Soube, então, dos dotes da completude moderna e, ainda sem saber, mas prevendo inconscientemente, como pedia o bônus do dia, cochilou querendo ser Drummond em uma estrada pedregosa de Minas Gerais. 

quinta-feira, 10 de março de 2011

Construções

Eu construí todas aquelas prateleiras
Vejo-as, agora, todas iguais.
Mas confesso que forjei alguns parafusos
para saber o quanto suportavam ser elas, elas mesmas.

Seriam estruturas de desmoronar,
de cair em toda a gente.
Porém, continuam firmes
parecendo vir do fundo da terra
e não da falta de vontade de meus pêlos.
Seguem aguentando todas as cores,
desbalançando rarefeitas,
comediando falsas
as expectativas de um homem.

terça-feira, 8 de março de 2011

A lição da intriga

Eu tinha um arco-íris na cabeça,

um convidado anônimo para o jantar,

um conjunto de suspeitas

e um jogo de cartas.

Discretamente, porém, veio a intriga. De tão feroz derrubou trapezista, descoloriu o circo e só não desmistificou a mágia em cena, porque a intriga era burra para isso.

A intriga aumentou minhas suspeitas até me contemplar suspense - acho que isso foi um prêmio - mas ainda assim, a intriga acordava todos os dias pensando no que eu só refletia de vez em quando.

Eu, conscientemente, me dava conta de que sempre há dia e de que o alto é feito de escadas.

Já a intriga inaugurava todos os coadjuvantes do mundo e ela tinha toda a razão nesse empenho: um amigo me disse, em um lugar muito barulhento, que o mundo de cada um é composto por quinhentas pessoas... o restante do universo é coadjuvante, ou seja, somos cerca de 5.999.999.500 vezes figurantes no mundo e como a intriga pode se despreocupar disso? Ela andava muito desorientada, tonta e, em mais uma noite, me esqueceu para ir prestigiar outros seres humanos, me deixou só.  E ao som de samba miudinho feito desfecho santo, me desvinculei só - a intriga sentiria orgulho disso - dos 500 habitantes do meu mundo.

sábado, 5 de março de 2011

Fotografia IX - Em alguma parte da Europa Oriental

Já não era madrugada
e ele permanecia
tal oposto a assobio em dia de tempestade. dentro.
Era homem repleto da arquitetura:
corpo carregando até o tudo pertencente.
Guardava de cor alguma madrugada em alguma parte da Europa Oriental,
homem de postagens centrais,
e de olhar manco, porque nunca completo.