sexta-feira, 23 de março de 2012

Lá de onde eu gosto


Sertão
De casas de óleo
E alegorias sem fim
Vi a morte como lá nunca a vi
E as mulheres com lenços na cabeça
E o rio
Travado sem trevas
Trancado nos baldes de água
Os fios de terra molhada.

O canto do chão
Roça de passos verdes e fantoches.

A rede que balança,
A trela das danças
A providência da hora
A hora que chega e se esparja
Palha,
Cativeiro do suor.

 







sábado, 17 de março de 2012

A concepção do tempo que apaga

Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez
Que recolhe todo o sentimento
E bota no corpo outra vez
(Chico Buarque)




Há tempo que precisa ser dito em alguma ruela da cidade, em algum início do confim da Terra.

O tempo precisa dizer.

Dizer assim como o tempo: longo:

Espelhando em palavras as manifestações causadas por dentro – o tempo conhece tudo.

E ainda inverter a Lua: trazê-la perto e lá, no alto, tornar belo aquilo que o tempo engole – as histórias de cada um. 

Invenção que foge ou finge e não se encontra. E ela existe.

Ainda que desajustada,

Ainda que não creia,

(Em utopia de um, onde estão dois.)

Ainda que não acredite, o tempo sussurra.



terça-feira, 13 de março de 2012

Dimensão Noturna

Quando a lua se recolhe
As nuvens a envolvem
num cobertor fininho
desses de mendigo
- a colorir a noite -
Mas não os vemos, 
porque estamos diurnos.

domingo, 4 de março de 2012

O jantar de vidro

Azedava-lhe desejar coisas que consciente sequer recordava. E foi cansando de variar entre as lojas de decoração e de utensílios domésticos. Resolveu armazenar essa vontade imemorável: inaugurou a esperada coleção de copos de vidro, dispostos em ordem degradé - cores para entrelaçar ao dia.
E ele observava, durante a manhã, seus noventa e sete copos enfileirados, ultrapassados pelo sol, e, de repente, abateu-lhe uma fome desconcertante. Aquele desejo inlembrável configurou-se certo, sabido: uma fome de desvendar o sabor da cor de cada um dos seus vidros. ou se convencer de que todos se reduziam ao sabor do fogo que os produzira.
Com um pequeno martelo de madeira - de amaciar carne - ele quebrou delicadamente pedaços de alguns dos copos e os misturou. Fragmentos e mais fragmentos unidos, sem liga, como pedaços apetitosos de uma comida desconhecida.
Dedicou-se algumas horas à degustação daquele quadro pontiagudo de cores que poderia representar qualquer coisa. E não reconhecia sabor e estranhou até a ausência do peso da refeição, foi um fato consumido.
Não rompera veia e, muito menos, os cacos de vidro prejudicaram sua saúde, mas a cada novo dia via o mundo unicolor. Auroras verdes, tardes marrons, florestas roxas... Ele fora se transformando em vidro, meio imóvel, recolhendo o mundo em diversas intensidades de iguais cores.