sábado, 30 de junho de 2012

Marinho

Amanheceu marejado. Estivera, em sonho, no oceano.

Nele, porém, o vestígio deste sonho permanece, sentia até que alguma parte sua - sem inchaço ou dores – salgava. Ele – tão conhecido, dito e sabido bruto – sonhou pela primeira vez com o oceano e que lá esteve a acalmar transatlânticos, a caminhar os olhos aos navios que soavam tristezas, doloridos de aportar na terra.

Martin não transmitia, não permitia sensibilidades, mas o oceano o arrebatou. A água infiltrara-se nele como se nunca houvesse sentido sede. E o mar que em si nascia não o autorizava a seguir o mesmo. Ele - que jamais distinguira a temperatura do café, que jamais arquivara suas fotografias em álbuns e de quem não se reconhecera registro de que pronunciasse mais de dois adjetivos em uma mesma conversa - este homem, agora, após o espasmo do seu sonho, percebeu o oceano em suas mãos: as águas despencando ou nas candeias a refletir seus traços, nunca vistos tão perto, tão calmos.

Às vezes, detinha-se sentado, a imitar o mar, reconhecendo as movimentações internas – até então invistas. Martin, então, ofereceu oferendas – em segredo – à Iemanjá. Tornou-se devoto de sua própria mudança. Seus novos hábitos prosperavam! Sua casa solitária se espantava. Ele não escondia mais, havia permissão para todos os lados de si: apegou-se às mãos, passou a escrever com os dedos canhotos. Seu corpo desmanchou a ideia de que é noite antes de dia e dia depois de noite – era o oceano no momento de dormir, era água.

Agora ele está água.

Transparente a quaisquer dos olhos.

domingo, 24 de junho de 2012

Lento

Vi-me. Impossível
de refletir na contemporaneidade.
Na metrópole.
Nos corredores. em horário de pico,
é impossível refletir sobre os ainda corredores 
e algo mais que se veja, que se queira.
Congestionam-se, dentro de mim -
talvez pela vida inteira -
pensamentos.

sábado, 16 de junho de 2012

O rabisco

Era belo - à letra de mão - o nome dela. Belíssimo ainda mais seria se vindo nome fosse dos dedos dela, pensou. 
Era uma experiência - que ela ficou a vigiar: 
o rabisco: 
aquelas letras que diziam outra mulher, que significavam existência - melhor que fotografias e segredos, porque as letras causam voz - era,assim, possível falá-la a tudo que escuta. 

O rabisco 
de formas azuis, 
que molhado, 
derrete. Feito as peças que desabam do corpo da vigia, temerosa de encontrar ainda outras palavras que reflitam ainda mais de dentro - mais que o nome dela.    


domingo, 10 de junho de 2012

Canto de todas as partes

A voz atando palavras para compor seu canto - estando, assim, à procura do soado do mundo - palavras de todas as línguas, que de obra-prima despertassem um coro humano de "nossas".

- Nossas. 

Exclamação arranhando tudo o que há de humano - dinamites, castelos, carros, coleções, pessoas - criando fincas para o canto.
 

Um canto transnacional.
 

domingo, 3 de junho de 2012

Cotidiano


O dia feito peça,

à imagem do origami:

Dobre-o nos verdadeiros anseios

- dorminhocos ao fim da tarde,

exaustos.