Amanheceu marejado. Estivera, em sonho, no
oceano.
Nele, porém, o vestígio deste sonho permanece,
sentia até que alguma parte sua - sem inchaço ou dores – salgava. Ele – tão
conhecido, dito e sabido bruto – sonhou pela primeira vez com o oceano e que lá
esteve a acalmar transatlânticos, a caminhar os olhos aos navios que soavam
tristezas, doloridos de aportar na terra.
Martin não transmitia, não permitia
sensibilidades, mas o oceano o arrebatou. A água infiltrara-se nele como se
nunca houvesse sentido sede. E o mar que em si nascia não o autorizava a seguir
o mesmo. Ele - que jamais distinguira a temperatura do café, que jamais
arquivara suas fotografias em álbuns e de quem não se reconhecera registro de
que pronunciasse mais de dois adjetivos em uma mesma conversa - este homem,
agora, após o espasmo do seu sonho, percebeu o oceano em suas mãos: as águas
despencando ou nas candeias a refletir seus traços, nunca vistos tão perto, tão
calmos.
Às vezes, detinha-se sentado, a imitar o mar,
reconhecendo as movimentações internas – até então invistas. Martin, então,
ofereceu oferendas – em segredo – à Iemanjá. Tornou-se devoto de sua própria
mudança. Seus novos hábitos prosperavam! Sua casa solitária se espantava. Ele
não escondia mais, havia permissão para todos os lados de si: apegou-se às
mãos, passou a escrever com os dedos canhotos. Seu corpo desmanchou a ideia de
que é noite antes de dia e dia depois de noite – era o oceano no momento de
dormir, era água.
Agora ele está água.
Transparente a quaisquer dos olhos.