terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Destino Ativo

Existia uma menina com uma bola. Em alguma tarde, a bola tricolorida mais a menina de franja curta se encontravam cheias de entraves fugazes. Disputavam a preferência do entardecer, consumindo de sua eternidade. Porém, sutil e premeditadamente, a bola, diante de olhos vistos, se insinuou para o muro e se jogou – em time solitário – para a rua. A primeira visão do mundo, já com o corpo livre, foi a das placas do restaurante e, em seguida, a sensação do asfalto: a dor da queda sem recepção.
Ordinariamente, repleta de impressão, a bola foi brincar jogos de menino. Toda a audácia só para comprovar que os objetos também têm destino e ainda mesmo imortais se aproximam dele.



4 comentários:

  1. Hoje vou fazer diferente: ofereço o poema que tem me acompanhando nesse últimos tempos, acredito que o Chico Alvim trabalha (num outro plano) com a percepção do real [cotidiano] assim como você faz [em outa medida é claro),mas vá lá:
    ________________________________________________
    ESCOLHO

    Parado

    Na plataforma superior

    Entre as pernas
    no chão
    as compras num plástico

    Longe do verso perto da prosa
    Sem ânimo algum
    para as sortidas sempre -
    enquanto duram -
    venturosas da paixão

    Longe tão longe
    do humor da ironia
    das polimorfas vozes
    sibilinas
    transtornadas no ouvido
    da língua

    Ali onde o chão é chão
    as pernas, pernas
    a coisa, coisa
    e a palavras, nenhuma
    Onde apenas se refrata
    a ideia
    de um pensamento exaurido
    de movimento

    Entre dois trajetos
    dois portos
    (duas lagunas)
    duas doenças

    Sublimes virtudes do acaso
    por que não me tomais
    por dentro
    e me protegeis do frio de fora
    da incessante, intolerável, fuga do enredo?
    da escolha?

    Francisco Alvim

    ALVIM, Francisco. Elefante. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.133-134.

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  2. Que sensacional esse poema! É o poeta que você vai estudar no seu mestrado? Eu gosto de ideias assim, gosto do valor ambíguo dado à palavra no poema e da paradoxal aflição e sacralização do cotidiano, é disso que eu gosto.

    Estrofe linda:
    Ali onde o chão é chão
    as pernas, pernas
    a coisa, coisa
    e a palavras, nenhuma
    Onde apenas se refrata
    a ideia
    de um pensamento exaurido
    de movimento

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  3. Pois é Juliane, também acho que esse trecho é o ápice do poema, mas não é ele que quero estudar num mestrado, me aflige (um pouco) a ideia de confinar meus autores favoritos ao árido exercício de tornar um texto "maquinal"....
    O Chico Alvim é um poeta brasileira que surgiu na década de 60 com um montão de outros poetas... conheci-o no curso de Teoria Literária 1 que fiz Ano Passado com a Viviana Bosi... acho que vale a pena conhecer mais sobre ele... a obra dele está reunida no livro citado, tem na biblioteca e ninguém pega emprestado... Se não for tomada (de novo) por um grande sentimento de desolação vou te enviando uns poemas que acho que podem ter consonância com o seu lirismo.... Abraços.

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  4. Manda, manda, manda!! Nunca tinha ouvido falar dele. Nas matérias obrigatórias só "conhecemos" os canônes. Acho que vou à USP semana que vem e já pego o livro. Beijos! P.S.: Quem é mesmo o poeta que você vai estudar?

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