domingo, 4 de março de 2012

O jantar de vidro

Azedava-lhe desejar coisas que consciente sequer recordava. E foi cansando de variar entre as lojas de decoração e de utensílios domésticos. Resolveu armazenar essa vontade imemorável: inaugurou a esperada coleção de copos de vidro, dispostos em ordem degradé - cores para entrelaçar ao dia.
E ele observava, durante a manhã, seus noventa e sete copos enfileirados, ultrapassados pelo sol, e, de repente, abateu-lhe uma fome desconcertante. Aquele desejo inlembrável configurou-se certo, sabido: uma fome de desvendar o sabor da cor de cada um dos seus vidros. ou se convencer de que todos se reduziam ao sabor do fogo que os produzira.
Com um pequeno martelo de madeira - de amaciar carne - ele quebrou delicadamente pedaços de alguns dos copos e os misturou. Fragmentos e mais fragmentos unidos, sem liga, como pedaços apetitosos de uma comida desconhecida.
Dedicou-se algumas horas à degustação daquele quadro pontiagudo de cores que poderia representar qualquer coisa. E não reconhecia sabor e estranhou até a ausência do peso da refeição, foi um fato consumido.
Não rompera veia e, muito menos, os cacos de vidro prejudicaram sua saúde, mas a cada novo dia via o mundo unicolor. Auroras verdes, tardes marrons, florestas roxas... Ele fora se transformando em vidro, meio imóvel, recolhendo o mundo em diversas intensidades de iguais cores.

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