domingo, 9 de junho de 2013

Todo

Um dia, os sons distantes passaram a se reproduzir constantemente em si. Em seu ouvido, em certos dias, se ouvia sempre. sempre o mesmo som.

Houve tempo, por exemplo, que apenas a palavras antena ressoava-lhe por dentro: dos ouvidos ao sangue. Aí, só via céu. Não existia mais capacidade de olhar o chão. Passava entre a gente na calçada e não era mais possível contá-las. Conheceu a quase morte em todos os semáforos. E descobriu que o céu reflete outras instâncias: daquelas que atuam por dentro, sem um ponto objetivo. Mas é difícil de nos dar conta, pois dói o pescoço.

Era um incômodo ensurdecer-se de um som só. Não era capaz de continuar seus livros, a retratar-se consigo no espelho, a adiantar pensamentos. Apenas podia ser o que o som emitia.
Mas houve caso de gostar:

À noite, algo criava um desconforto. Acordou e seu deu conta do novo som: o mar. O desconforto era sendo o mar, que, àquela hora, subia cada vez mais à areia.
Não retornou ao sono, era bom ser água se mexendo, em início de oceano.

Já de dia, foi sendo seguindo o mar até sua beira, que o puxaria a reverso: a sensação do mar aberto, se parindo com a gente que o adentrava. Era um rasgo.

Passou o dia ao mar. Sua pele desmanchando, aberta e foi a primeira vez que o som o findou.
Sentiu-se fim.

Decidiu, então, estar lá, naquela necessidade de imensidão individual: o mar é de cada um quando olha.
Ser navegante de barca própria onde pôde cuidar de ser cada som, enquanto as ondas o também navegavam, quase o embalavam por dentro. Talvez um filho de todas as pequenas existências. Era, agora, um incômodo generoso.

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