domingo, 10 de outubro de 2010

É, um misto quente, por favor!

Ela estava em um corredor do supermercado, tentando parar de se imaginar em terceira pessoa. Reparou nas latas verdes e amarelas, no alto de uma das prateleiras, e lembrou da vontade, do prazer de ir ao supermercado com ele, só para decorar suas marcas e comidas favoritas. Essa foi sua primeira reação àquelas cores, mas tudo já estava misturado: ela queria aquela mesma sensação do outro com outro, em outro corpo. Da mesma forma, ela não soube explicar por que dois se tornavam um. Ela não sabia explicar a razão pela qual aqueles dentes largos e gengivas à mostra e aquela barba, feita no mesmo dia, se registraram densamente nela. Ela sabia que não havia feito nada certo: nem o corpo, nem a boca, nem a voz, nem a lembrança executou com perfeição. Não sabia, por sua vez, se ele havia dito as palavras certas, se a havia tocado do jeito certo, se a havia olhado da maneira correta: não sabia se havia jeitos. Mas soube que ele foi embora e ela ficou. Desde então, ela observa, do mesmo lugar, tudo o que nela ele descobriu: carne nua e olhos transparentes.
Ela sabe que sente saudade e será uma saudade que, segundo a prescrição da data de óbito, morrerá de desencanto e cansaço. Para se salvar, deseja se punir de embriaguez e ficar bêbada até se ver sozinha em um mundo inédito e dizer para ele, que apesar de tudo o que nunca acontece, ela gostaria que acontecesse entre eles. Ela queria ser dele, como o misto quente que ela pede agora.

Um comentário:

  1. Humm.... depois desse conto feminista não tenho dúvidas.... vc está a "dois Passos de se apaixonar" se já não estiver... hahaha hj não estou com um espírito literário... Abraços.

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