sábado, 21 de maio de 2011

Coisa não citadina

Ana destrambelhou-se no insólito congestionamento das quatro da tarde. Ela observava uma velha, toda aparecida, na garagem de sua casa. A senhorinha - de cabelos lisos, presos sem desvelo, vestida de azul e verde - varria sua calçada.
A imagem era estupefata: a senhora, rente à grade do portão, dispôs a vassoura e os braços, como objetos excomungados, para fora e varreu a calçada, cheia de movimentos truncados, por entre os vãos. Seu propósito não permeava nem metade do objetivo.
Era incrível e estarrecedor. Parecia mulher fugitiva do mundo, condenada pela própria casa, justa ao próprio corpo, escrava do processo da liberdade das leis machistas – ironia do próprio sistema – e da idade, esquecida até dos dialetos normais.
Ainda assim, foi possível reparar em seu último ato: a senhora empurrou o lixo recolhido para a calçada vizinha. O esforço, então, era de contaminar o alheio? Meio de inversão de seus hábitos domiciliares?
No cotidiano do dia seguinte, todavia, Ana não citou sujeira na garagem e no portão da velha, creu que ele dispersou-se, desde a tarde anterior, pelos destinos de outros crédulos e sãos do drama e da realidade.

2 comentários:

  1. Algumas considerações (interpretativas):

    A senhorinha - de cabelos lisos, presos sem desvelo, vestida de azul e verde - varria sua calçada... Ao invés de azul e verde, eu optaria por azul e amarelo (buscando relações de sentido semântico na chave conhecida de textos literários, o dito "ouro sobre azul" além disso pelo fato dela estar vestida com um componente que predispõe a uma imagem de "brilho, vida" criaria um antagonismo com a sua condição "de semi-morte, de ínfima vida, um resto apenas de vida, enfim, vc entende... )

    No cotidiano do dia seguinte... mudaria para : na repetição, do cotidiano... para sobrepor o "inesperado" que sua personagem irá se defrontar, vivenciar... (vc também entendeu) enfim... são apenas "gostos pessoais" que estou compartilhando... já que vc permite-me que eu faço esse tipo de intervenção.

    Abraços.

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  2. Ah e desculpe-me a pressa e que estou dispersa ... preocupada com minha lentidão em fazer um trabalho de Didática...

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