domingo, 7 de agosto de 2011

A oração da vontade

Eu conheço sobre uma mulher húngara. Ela mudou-se recentemente para um antigo edifício da Avenida Brigadeiro Luis Antônio, no centro da cidade. A europeia oriental pronuncia e entende bem o inglês, o português, além do húngaro: língua um tanto desmistificada por causa dessas tão obscuras coisas. Não teve filhos. Noivou por duas vezes e ela mesma desmanchou os dois laços. Assim, a maior companhia da estrangeira foi sua falecida mãe húngara. Com ela, preparava deliciosas receitas tradicionais daquele país amarelo.
E ambas - quando ainda unidas na vida, na meia solidão de algum apartamento de extensas janelas - gostavam de cozinhar doces. Mas o desejo pelas sobremesas era fatídico, causava angústia e discussões interiores, já que as duas mulheres dividiam além da origem, e também pela origem, a diabetes e não podiam esbanjar a existência. Contudo, nas tardes dos dias ímpares - afinal, em mês de 31 dias elas ganhavam uma tarde a mais - quando se reuniam para desfrutar de um curto pedaço de bolo e uma xícara de café amargo, sentadas uma frente à outra, quando já sentiam ainda mais vontade de comer, a mãe perguntava, não se contendo de imaginação:
- Qual é a sua vontade do bolo? Se pudesse comer mais, quanto comeria?
Na realidade, quase gritando, a mãe gostaria de dizer: Quanto comeria se não morresse?
Diante da questão tão conhecida, a filha, como sempre, abaixava o olhar até o bolo e elas ficavam por ali mais algum tempo, sem saber o que fazer com tanta vontade, em silêncio.

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