sábado, 30 de junho de 2012

Marinho

Amanheceu marejado. Estivera, em sonho, no oceano.

Nele, porém, o vestígio deste sonho permanece, sentia até que alguma parte sua - sem inchaço ou dores – salgava. Ele – tão conhecido, dito e sabido bruto – sonhou pela primeira vez com o oceano e que lá esteve a acalmar transatlânticos, a caminhar os olhos aos navios que soavam tristezas, doloridos de aportar na terra.

Martin não transmitia, não permitia sensibilidades, mas o oceano o arrebatou. A água infiltrara-se nele como se nunca houvesse sentido sede. E o mar que em si nascia não o autorizava a seguir o mesmo. Ele - que jamais distinguira a temperatura do café, que jamais arquivara suas fotografias em álbuns e de quem não se reconhecera registro de que pronunciasse mais de dois adjetivos em uma mesma conversa - este homem, agora, após o espasmo do seu sonho, percebeu o oceano em suas mãos: as águas despencando ou nas candeias a refletir seus traços, nunca vistos tão perto, tão calmos.

Às vezes, detinha-se sentado, a imitar o mar, reconhecendo as movimentações internas – até então invistas. Martin, então, ofereceu oferendas – em segredo – à Iemanjá. Tornou-se devoto de sua própria mudança. Seus novos hábitos prosperavam! Sua casa solitária se espantava. Ele não escondia mais, havia permissão para todos os lados de si: apegou-se às mãos, passou a escrever com os dedos canhotos. Seu corpo desmanchou a ideia de que é noite antes de dia e dia depois de noite – era o oceano no momento de dormir, era água.

Agora ele está água.

Transparente a quaisquer dos olhos.

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