domingo, 10 de junho de 2012

Canto de todas as partes

A voz atando palavras para compor seu canto - estando, assim, à procura do soado do mundo - palavras de todas as línguas, que de obra-prima despertassem um coro humano de "nossas".

- Nossas. 

Exclamação arranhando tudo o que há de humano - dinamites, castelos, carros, coleções, pessoas - criando fincas para o canto.
 

Um canto transnacional.
 

domingo, 3 de junho de 2012

Cotidiano


O dia feito peça,

à imagem do origami:

Dobre-o nos verdadeiros anseios

- dorminhocos ao fim da tarde,

exaustos.

domingo, 27 de maio de 2012

Fotografia Individual

Que eu fosse de outro lugar.
Desses, poucos,

Lugares.

Sendo menos pouco
Do que estes lugares raros.
Seria o ineditismo 
que nunca se inaugura.






Os corpos da eterna meia-noite

Incometiam em outras horas. 

Era - diante deles - sempre meia-noite naquele meio-dia.
Viam a meia-noite dos olhos - em sol pleno. Aí: seus corpos só sabiam se tatear à busca da noite azul que se encobre, se instalando indefinida.
E já em falso temor do amanhecer - com o real pavor de que florescesse a luz, que o real despertasse - eles desperdiçavam olhares de não mais caber naquele beco. Atreviam palavras originais - palavras de noite e de aurora - para desmemorar o fim.
E depois -  já quietos -  abalavam-se no mesmo ritmo, similares: corpos: dois corpos. 
Corpos que liberavam imensidão, feito o topo do precipício.
E cansados jamais solicitavam a aurora, a claridade ofuscava os olhos já tendenciosos ao par. 




  

sábado, 26 de maio de 2012

Iscas

Horas,
incontáveis horas.
De serem iscas
daquelas perpétuas vontades
sem relógio, sem momento. (sem paz)

Que Deus acolha a falta de ironia destas palavras.

domingo, 13 de maio de 2012

O Regente




Seus braços se moviam quase submarinos, além da superfície dos homens.

Os braços diziam: "Leve-os, leve-os todos à barca e os joguem." E o homem nos conduzia: da cidade à areia - da areia ao mar - do mar ao fundo.
A barca era ele: o homem dono dos braços - que também se afogava, submerso.

Nós, em pouca multidão, distinguíamos o encantar da sinfonia - que ensaiava pelos ombros, pêlos, terno, dedos direitos e canhotos daquele homem. Um homem de braços e outros membros que regia as fantasias de nós.

Seguimos.
Onde quer que seus braços apontassem, para lá também sentíamos. E sentíamos um cada vez maior. E acima de nós, o mundo já pesava.
Era o fundo: distrito caudaloso.

Estávamos no abismo da força daqueles sons - enquanto nada houvesse, se era tudo. Era a execução da orquestra!

sábado, 5 de maio de 2012

Do sentir incorreto

Independe da fase. Do trabalho.
Independe das horas. Da tarde.
Das quantas tosses. Independe.
das contribuições tributárias.
Independe das posições. Do recôncavo.
E de principal
Independe do que o corpo não sabe fazer sozinho. 

domingo, 29 de abril de 2012

Urgentemente humano e diário

Gustav Mahler


A quarta-feira gesticulou sinfônica: abrindo as cores. 

Mas a vontade desta quarta-feira era urgente, cheia de figas: era reconhecer o dia como uma espécie diferente da sua. 

No distrito em que os sete dias da semana se enfileiram, cada um assume forma díspar - para amanhecer o mundo de diversas maneiras, sempre brotando ineditismos - diga-se que os dias também dispõem de livre arbítrio. 

À quarta-feira, assim, restou o disfarce: não permitiu acontecimentos memoráveis, que não pronunciassem seu nome em telejornais! A ideia era ser quarta-feira assoviando durante vinte e quatro horas - assim desapercebida. E cheia de pisos leves, no brotar da quinta-feira, escondeu-se diante das letras de um outdoor. E de lá foi descobrir o mundo dos outros dias.

Quietinha, a quarta-feira foi se apequenando, tentando ser outra coisa: talismã, ventura ou objeto tangente - algo que rolasse sobre a terra. Mas embevecida, à quase luz da noite, ela testemunhou o nascer do dias dos homens. Em salão majestoso, os contou - que poucos - desvendavam todas as coisas, em partes abriam os homens, em partes transladavam os horários e as ordens internas. Desfaziam. Eram os homens orquestrando qualquer superfície, homens que gesticulavam sinfônicos, em partes, em instrumentos. 

Homens díspares que criavam.

Era o belo,

o mais belo

de qualquer homem ou dia.  









domingo, 22 de abril de 2012

Antecipamentos de novembro

Te vario
assim:
diante do céu
e como hei de escapar de fugir deste infinito?

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Daquela Noite

Ah,
de ti que ontem eras
Corpo de Mulher.

Corpo de Mulher que parece
estrada.

Estrada branca durante a noite,
Dicionário de Todo o Sentimento.
És caminho por onde se rimas as quietudes.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Esvaziamento

O café-da-manhã estava à mesa, a mesa de breve tom alaranjado. Era como se escoasse continuamente um pedaço dele. Da fome que ele não sentia.
Ele permaneceu na cadeira a vazar: suas invontades infiltrando externamente em seu corpo. Recomendaram que ele estivesse nesta falsa enfermidade por alguns dias. Na exata posição de partida - os olhos rebentos de lugar definido.
De si escoavam pormenores e, pelo cheiro era possível identificar que, dentro dele, havia um outro nome, as denominações outras de outros. E quando desconfiado deste interno, se angustiou com a falta dele mesmo e decidiu se desencher, furar-se e e recobrar-se seu.
Ao longo dos dias, sua cozinha foi somando líquidos e, concomitantemente, uma crosta se fixava em sua face, em seus braços, sem suas pernas, tornando-se irreconhecível. Era um novo rosto, um novo corpo, ainda que menos atraente, ainda que indefinidamente mais magro, quase de uma espécie inútil. Mas já estava próprio. para incrementar-se das idéias e sutilezas suas. Ele não era mais sociedade.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Lá de onde eu gosto


Sertão
De casas de óleo
E alegorias sem fim
Vi a morte como lá nunca a vi
E as mulheres com lenços na cabeça
E o rio
Travado sem trevas
Trancado nos baldes de água
Os fios de terra molhada.

O canto do chão
Roça de passos verdes e fantoches.

A rede que balança,
A trela das danças
A providência da hora
A hora que chega e se esparja
Palha,
Cativeiro do suor.

 







sábado, 17 de março de 2012

A concepção do tempo que apaga

Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez
Que recolhe todo o sentimento
E bota no corpo outra vez
(Chico Buarque)




Há tempo que precisa ser dito em alguma ruela da cidade, em algum início do confim da Terra.

O tempo precisa dizer.

Dizer assim como o tempo: longo:

Espelhando em palavras as manifestações causadas por dentro – o tempo conhece tudo.

E ainda inverter a Lua: trazê-la perto e lá, no alto, tornar belo aquilo que o tempo engole – as histórias de cada um. 

Invenção que foge ou finge e não se encontra. E ela existe.

Ainda que desajustada,

Ainda que não creia,

(Em utopia de um, onde estão dois.)

Ainda que não acredite, o tempo sussurra.



terça-feira, 13 de março de 2012

Dimensão Noturna

Quando a lua se recolhe
As nuvens a envolvem
num cobertor fininho
desses de mendigo
- a colorir a noite -
Mas não os vemos, 
porque estamos diurnos.

domingo, 4 de março de 2012

O jantar de vidro

Azedava-lhe desejar coisas que consciente sequer recordava. E foi cansando de variar entre as lojas de decoração e de utensílios domésticos. Resolveu armazenar essa vontade imemorável: inaugurou a esperada coleção de copos de vidro, dispostos em ordem degradé - cores para entrelaçar ao dia.
E ele observava, durante a manhã, seus noventa e sete copos enfileirados, ultrapassados pelo sol, e, de repente, abateu-lhe uma fome desconcertante. Aquele desejo inlembrável configurou-se certo, sabido: uma fome de desvendar o sabor da cor de cada um dos seus vidros. ou se convencer de que todos se reduziam ao sabor do fogo que os produzira.
Com um pequeno martelo de madeira - de amaciar carne - ele quebrou delicadamente pedaços de alguns dos copos e os misturou. Fragmentos e mais fragmentos unidos, sem liga, como pedaços apetitosos de uma comida desconhecida.
Dedicou-se algumas horas à degustação daquele quadro pontiagudo de cores que poderia representar qualquer coisa. E não reconhecia sabor e estranhou até a ausência do peso da refeição, foi um fato consumido.
Não rompera veia e, muito menos, os cacos de vidro prejudicaram sua saúde, mas a cada novo dia via o mundo unicolor. Auroras verdes, tardes marrons, florestas roxas... Ele fora se transformando em vidro, meio imóvel, recolhendo o mundo em diversas intensidades de iguais cores.